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Autorregulação: uma sabedoria fisiológica do corpo


Por Paula Costa Teixeira, profissional de educação física

Aqui no Blog do Genta já foi discutido em posts anteriores o quanto alguns dos sintomas presentes nos transtornos alimentares vêm sendo “normalizados” e até aceitos no contexto social. Uma pessoa que mantém uma dieta rígida, por exemplo, sem furos, pode receber um reforço de que é determinada, que tem força de vontade. Ou ainda, uma pessoa que treina todo dia, sem falta, faça chuva, faça sol, mesmo que às vezes o corpo esteja pedindo uma pausa de recuperação, pode receber o reforço tipo “olha que exemplo”, quanta disciplina e superação. Outro comportamento que pode ser bem visto pelas pessoas é o de se pesar todo dia, ou checar uma medida corporal todo dia. Este tipo de hábito só alimenta preocupação e ansiedade.

Muitos comportamentos de controle e manutenção de peso corporal envolvem atitudes e crenças disfuncionais perante ao corpo. A preocupação com o peso corporal gera muitos pensamentos, que despertam sentimentos e que, por sua vez, desencadeiam comportamentos. Quando o foco é apenas mudar o peso ou a forma corporal, ao invés de mudar o comportamento ou um hábito, a expectativa pelo que vai ser conquistado gera uma infinidade de pensamentos sobre o assunto, e você vive inundado de pressão, de cobrança, de culpa, de sensação de fracasso eminente, à flor da pele, em dúvida do que pode ou não pode, porque afinal de contas, você precisa “estar no controle” e nunca “sem controle?”.

E assim, aqueles que não conseguem se manter no controle vão ganhando rótulos negativos, adjetivos que minam a autoestima, a vontade de viver, porque a comparação levanta um sentimento de impotência, de fracasso, e de resignação.

O corpo tem uma sabedoria que se chama autorregulação. E para fazer uso deste mecanismo fisiológico do corpo, você não precisa estar no controle, mas sim estar conectado aos sinais do seu corpo. Ora, se você honra a sua vontade de fazer xixi, toda que vez que você sente vontade de ir ao banheiro, você reduz suas chances de ter problemas de bexiga. Se você desrespeita algumas vezes este sinal interno, você começa a mudar a sua regulação. O corpo se ajusta, e o que era para funcionar de uma forma natural, começa a ficar desregulado. E pode ser que você sinta muita vontade de fazer xixi, chegue às pressas ao banheiro, e saia apenas algumas gotas. Daí você pensa, “puxa, devo estar com cistite”, ou instalou-se uma infecção de urina. Logo, o que é diagnosticado hoje como cistite, é resultado de uma série de comportamentos de vários dias, semanas, meses, mas que você está tomando consciência apenas do resultado: uma doença.

Leve esta compreensão de regulação para o ato de se alimentar. Se você desrespeita os sinais de fome e saciedade do seu corpo, como você vai saber discernir os sinais naturais do seu corpo em relação ao tamanho da sua fome e quando para de comer?

E o mesmo também pode ser pensado a respeito do movimento do seu corpo. Uma vez estabelecida uma rotina em que seu corpo se movimenta menos e menos, pois hoje temos quase tudo a mão, e a atividade física é cada vez menos presente na rotina diária, que tipo de sinal você acredita que seu corpo emite pedindo para você se movimentar?

Nosso corpo pede movimento para regular o tempo de sedentarismo através do sinal de dor. Existem vários tipos de dores. Algumas de fato pode ser um problema, como a bexiga com cistite. Mas tem dores tensionais que seu corpo emite, mostrando que está faltando movimento. Muitos problemas de saúde que se instalam nas articulações, nos ossos, nos sistemas hormonais, nervoso, e por aí vai, são decorrentes de uma série de sinais que o corpo emitiu várias vezes, e você não honrou.

Mas… Como o foco é no controle do peso corporal, e não na conexão com o corpo, você busca o exercício físico para queimar calorias. E você ganha um reforço positivo por estar se mantendo magro, ou ainda por estar com o percentual de gordura baixo.

No caso de síndromes psiquiátricas, o corpo pode estar “sarado” ou obeso, isso não importa, porque as doenças mentais não têm preconceito com corpo, atinge qualquer um, e nem escolhe peso baixo ou alto. Os níveis de ansiedade e mudanças bruscas de humor estão crescendo. E é triste ver pessoas que preferem viver deprimidas, ansiosas, controlando tudo ao invés de internalizar hábitos naturais, que respeitam uma regulação fisiológica.

A insatisfação corporal leva muitas pessoas a buscar um estilo de vida mais ativo. O que por um lado é bom, afinal de contas, se exercitar faz bem para a saúde. No entanto, já temos evidência cientifica de que buscar o exercício físico norteado pela ideia fixa de um resultado (peso ou formato de corpo), ou uma preocupação muito forte de evitar algo, também faz com que você não respeite os sinais de autorregulação do seu corpo. Isso porque seus pensamentos estão ocupados por preocupações, anseios e/ou desejos, o que faz você simplesmente não escutar os sinais do seu corpo falando que está bom de treino por hoje, ou ainda que você precisa dar tempo de recuperar os substratos necessários para manter seu corpo produzindo movimento.

É… A autorregulação pode fazer tanto pelo nosso corpo. Pode trazer uma saúde genuína para todos os sistemas. Por isso, fica o convite para as resoluções de ano novo. Ao invés de praticar exercícios para emagrecer ou conquistar o corpo padrão fitness, que tal tornar sua pratica de exercício um momento com você e seu corpo, escutá-lo, compreendê-lo, e preencher sua atenção dele: o seu corpo. Ele merece muito esse tempo de escuta, afinal de contas, ele te acompanha desde que nasceu, e vai estar com você até o seu último dia.

Que você possa se sentir bem no seu corpo, e construir o padrão que melhor define a sua saúde.

Paula Costa Teixeira é profissional de educação física, membro do GENTA, doutora em neurociências e comportamento pela USP, especializada em teorias e técnicas para cuidados integrativos pela UNIFESP, colaboradora do AMBULIM-IPq-HC-FMUSP, e idealizadora do Exercício Intuitivo.



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