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Ortorexia Nervosa e Vegetarianismo


Por Fernanda Timerman (nutricionista) e Giulia Cazzetta Bestetti (quase nutricionista – se forma esse ano);

Revisão de texto: Alessandra Peixoto (comunicadora e, num futuro próximo, nutricionista).

 

Tenho percebido um aumento muito expressivo no número de pacientes vegetarianos e veganos. O cenário do meu consultório reflete o país: no Brasil, houve um crescimento de 75% de adeptos do vegetarianismo entre 2012 e 2018. Esse movimento pode ser muito bacana por suas motivações políticas, ambientais e éticas. Mas, como trabalho com distúrbios alimentares, percebo também a correlação da adoção dessas dietas com um perfil de comer transtornado ou até um transtorno alimentar (TA), como é o caso da Ortorexia Nervosa.

O vegetarianismo, segundo a Sociedade Vegetariana Brasileira (SVB), é um regime alimentar que exclui os produtos de origem animal. Existem várias classificações de acordo com o grau de restrição, que leva em conta a ingestão ou não de ovos, leite, mel etc, sendo que aqueles que não consomem nenhum alimento derivado de animais são chamados vegetarianos estritos. Não é o mesmo que veganos, apesar dos termos se confundirem até mesmo na literatura: esses seriam aqueles que abrem mão de produtos testados em animais ou feitos com couro, por exemplo. Ou seja: suas escolhas vão além do prato.

E o que isso tem a ver com a Ortorexia Nervosa (ON)? Esse possível novo TA (Łucka et al, 2019), que ainda está em discussão, é caracterizado como uma obsessão patológica com o alimento biologicamente puro, acarretando restrições alimentares importantes. Na ON, as escolhas seriam feitas em função de uma preocupação exagerada com a qualidade dos alimentos, a pureza da dieta (livre de herbicidas, pesticidas e outras substâncias artificiais) e o “politicamente correto e saudável” (Alvarenga, 2020).

Sua classificação enquanto transtorno não é “oficial” por não constar nos manuais diagnósticos, mas é provável que ela se encaixe no espectro dos TA (Łucka e colaboradores, 2019). E é possível que indivíduos que sofrem com ela acabem adotando o padrão de dieta vegetariano por ele estar de acordo com as regras nutricionais que eles se impõem. Inclusive, mais indivíduos com TA relatam já terem aderido a uma dieta vegetariana ou vegana por ser uma forma mais socialmente aceita de evitar a comida (Bardone-Cone e colaboradores, 2012).

Minha estagiária Giulia, que está se formando este ano, fez seu trabalho de conclusão de curso sobre a relação entre a Ortorexia Nervosa e o vegetarianismo. Esse trabalho revisou os artigos que existem sobre o tema e os resultados foram unânimes: vegetarianos e veganos têm maior risco de Ortorexia Nervosa quando comparados a onívoros.

Isso não significa que as pessoas não podem mudar o padrão da sua dieta ou seu estilo de vida de maneira genuína, mas que é importante ficar atento aos porquês dessas escolhas.

Na minha prática, vejo que há, sim, gente que se converte por razões que não tangenciam os transtornos e que se beneficia dessa opção por melhorar questões clínicas e de relação com a comida. Mas também vejo indivíduos que voltam atrás quando notam que não emagreceram ou que engordaram, o que pode ser um indicativo de que a conduta estava diretamente ligada à restrição.

Uma forma de distinguir motivações é perceber se o paciente entende a necessidade de aumentar a quantidade de comida que ingere para suprir sua demanda nutricional. O Guia de Nutrição Vegana para Adultos da União Vegetariana Internacional (IVU), que será lançado no início do ano que vem,  será um bom norte para esse filtro. A referência deve disponibilizar exemplos de pratos com adequação da quantidade e da qualidade dos alimentos para diferentes gêneros e faixas etárias, e vai ajudar profissionais a esclarecer a importância do ajuste de nutrientes para a manutenção da saúde. O documento também terá uma versão para público geral e será gratuito.

Enfim, os benefícios clínicos, emocionais e ambientais da adoção do vegetarianismo são incontestáveis. Porém, em pessoas que já apresentem sinais de risco para TA, ela pode ser uma forma socialmente aceita de restringir ainda mais a alimentação e gerar ainda mais obsessão, regras e ansiedade na relação com a comida. Portanto, fiquem de olho.

 

 

Referências:

  1. Sociedade Vegetariana Brasileira. Vegetarianismo. 2017. Disponível em : https://www.svb.org.br/vegetarianismo1/o-que-e.
  2. Vegan Society
  3. Melina V, Craig W, Levin S. Position of the Academy of Nutrition and Dietetics: Vegetarian Diets [internet]. J Acad Nutr Diet. 2016;116(12):1970-1980.
  4. Fox N, Ward K. Health, ethics and environment: a qualitative study of vegetarian motivations [internet]. Appetite. 2008;50(2-3):422-9.
  5. Alvarenga M, Dunker KLL, Philippi ST. Transtornos alimentares e Nutrição: da prevenção ao tratamento. Tamboré: Manole; 2020
  6. Bardone-Cone AM, Fitzsimmons-Craft EE, Harney MB, Maldonado CR, Lawson MA, Smith R, Robinson DP. The inter-relationships between vegetarianism and eating disorders among females [internet]. J Acad Nutr Diet. 2012;112(8):1247-52.
  7. Łucka I, Janikowska-Hołoweńko D, Domarecki P, Plenikowska-Ślusarz T, Domarecka M. Orthorexia nervosa – a separate clinical entity, a part of eating disorder spectrum or another manifestation of obsessive-compulsive disorder? [internet]. Psychiatr Pol. 2019;53(2):371-382.
  8. Bardone-Cone AM, Fitzsimmons-Craft EE, Harney MB, Maldonado CR, Lawson MA, Smith R, Robinson DP. The inter-relationships between vegetarianism and eating disorders among females. J Acad Nutr Diet. 2012 Aug;112(8):1247-52. doi: 10.1016/j.jand.2012.05.007. PMID: 22818732; PMCID: PMC3402905.
  9. Link para o artigo: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/pmc/articles/PMC3402905/
  10. bb  Robinson-O’Brien R, Perry CL, Wall MM, Story M, Neumark-Sztainer D. Adolescent and young adult vegetarianism: better dietary intake and weight outcomes but increased risk of disordered eating behaviors. J Am Diet Assoc. 2009 Apr;109(4):648-55. doi: 10.1016/j.jada.2008.12.014. PMID: 19328260.
  11. Link para o artigo: https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/19328260/
  12. Link para Guia de Nutrição Vegana para Adultos da União Vegetariana Internacional (IVU): https://vegnutrition.kpages.online/guianutricaoivu


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