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O comer emocional


Por Cezar Vicente Jr, nutricionista

Ansiedade, a palavra mais usada como culpada por alterações deletérias na alimentação. Enquanto nutricionista, ouço diariamente sobre isso das pessoas que atendo, mas não somente delas.

Percebo que a “ansiedade” virou um grande buraco criado pelos profissionais da área de alimentação, onde quase tudo que não é um comportamento considerado saudável e que não responde à uma informação é etiquetado culpa desta vilã mór.

(Exemplo: Se alguém come muito brigadeiro e eu, na qualidade de nutricionista, vou lá contar pra ela que comer brigadeiro em excesso pode ocasionar males à saúde dela e ela continua do mesmo jeito, pronto, é ansiedade)

Resumir os aspectos emocionais da alimentação à “ansiedade” é, no mínimo redutivo. Em nossa formação (nutricionistas) esse tema é quase que ignorado. Daí a pouca intimidade dos nutricionistas com o tema.

É preciso esclarecer que comer por motivos emocionais não é errado! O comer é o principal modo de nos relacionarmos com os alimentos. É muito importante comer por motivos fisiológicos (fome), mas também é importante reconhecermos que essa é apenas uma parcela do universo do comer, afinal somos muito mais que apenas fisiologia.

Ao contrário da fome (fisiológica), o comer emocional é acionado por sentimentos, como por exemplo, tédio ou stress, que podem desencadear desde “beliscadas” que não causam mal algum até uma compulsão alimentar.

O comer emocional possui várias apresentações. Algumas são mais inócuas e outras mais prejudiciais.

Quanto mais comemos por motivos emocionais e menos por fisiológicos a chance piorar a qualidade da nossa alimentação e relacionamento com a comida aumenta significativamente.

Tribole e Resch (2012) explicam o comer emocional como um contínuo, ou seja, em uma escala onde existem diferentes graus de intensidade. Seguem abaixo os estágios:

Gratificação sensorial: Por mais contraditório que pareça, permitir-se comer com prazer e sem culpa faz a pessoa precisar de uma quantidade menor de comida para satisfazer sua fome biológica. Gratificação sensorial, significa agradar aos seus sentidos com a comida (comer com os olhos, ter um cheiro agradável, a textura da comida, sua temperatura, seu sabor etc.). É o ponto mais saudável do comer emocional.

Conforto: São algumas comidas que despertam sentimentos ou pensamentos de uma determinada época ou lugar. Um exemplo: o bolinho de chuva que minha mãe preparava (?de olho?- sem receita) em dias de chuva em que eu não podia ir brincar na rua. Nesse exemplo o bolinho de chuva é considerado um comfort food. Ou seja, um alimento que é capaz de ser usado para confortar em determinadas situações. Ter algum repertório de comfort foodsna sua alimentação faz parte de um relacionamento saudável com a comida. O problema começa quando a comida é primeira ou única coisa que vem à mente quando a pessoa se sente triste, cansada, sozinha, desconfortável, etc.

Distração: Aqui a comida é usada para distrair a pessoa, no sentido de não experimentar alguns sentimentos ruins. Usar a comida desta forma frequentemente pode trazer problemas, uma vez que ficar distraído dificulta a pessoa de prestar em sinais internos do corpo (exemplo: fome e saciedade). Além disso pode impedir de descobrir a fonte desses sentimentos e cuidar das suas reais necessidades. Ninguém precisa ficar 24h por dia experimentando todos os sentimentos ruins que nos invadem e não há nada de ruim querer se distrair deles, porém a comida não é um mecanismo apropriado a longo prazo.

Sedação: Nesse ponto entende-se que o relacionamento saudável com a comida está seriamente comprometido. A comida é usada para se anestesiar ou se entorpecer, não mais apenas os sentimentos ruins, mas de outros também. Com isso é praticamente impossível perceber de maneira adequada sinais internos como os de fome e saciedade. As pessoas que estão nesse estágio de relacionamento com a comida geralmente referem sentir que sua alimentação está ?fora de controle?, ou que são ?controladas pela comida?. Nesse ponto já é comum que aconteçam episódios de compulsão alimentar.

Punição: O estágio mais severo de relacionamento com a comida. Geralmente o sentimento envolvido é a raiva e a pessoa come em uma velocidade e quantidade grandes, comumente até se sentirem empanturrados. Episódios de compulsão alimentar são frequentes. As pessoas que estão nesse estágio referem não sentir nenhum prazer ao comer (na grande maioria das vezes nem conseguem avaliar se o que comeu estava gostoso) e frequentemente odeiam a comida. Esse é o estágio mais comum das pessoas que têm algum transtorno alimentar (bulimia nervosa, anorexia nervosa, transtorno da compulsão alimentar periódica…).

 

Essa escala representa o comer emocional de uma forma geral e didática. Seu intuito não é instigar a culpa em ninguém, mas promover uma reflexão sobre o nossas atitudes alimentares (crenças, pensamentos, sentimentos, comportamentos e relacionamento com os alimentos) e de nossos pacientes. Reconhecer que no universo da alimentação humana existe muito mais que calorias, nutrientes, peso e ansiedade já é um excelente passo.



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