| Ver ou não ver o peso no tratamento de transtornos alimentares?

12 de setembro de 2020

Ver ou não ver o peso no tratamento de transtornos alimentares?

Por Fernanda Timerman, nutricionista

Um recente artigo Australiano trouxe uma questão que sempre é um ponto crítico e de debate no tratamento de pacientes com transtornos alimentares (TA): a pesagem!

O artigo é particularmente interessante porque fez uma análise qualitativa – ou seja, a visão da paciente – entre ver ou não ver o peso no tratamento para anorexia nervosa, bulimia nervosa e outro transtorno alimentar especificado.

Foram entrevistadas 41 mulheres (com mais de 18 anos). Dessas, 26 estavam passando por tratamento para TA; sendo que 13 mulheres estavam em uma clínica em que a conduta era não mostrar o peso e outras 13 em uma outra clínica que mostrava. As outras 15 mulheres já haviam recebido alta do tratamento.

A maioria das participantes afirmaram que não ver o peso no início do tratamento foi positivo pois diminuiu a ansiedade da preocupação obsessiva com o controle do peso e maior responsividade ao tratamento. Para muitas, abrir mão do controle sobre seu peso facilitou a confiança na mudança corporal e foi um passo necessário para a recuperação.

Além disso, muitas relataram acreditar que não ver o peso pode melhorar o engajamento na terapia, seguimento do plano alimentar e que diminuir a necessidade de controle sobre o peso pode “abrir espaço” para focar em outras coisas. Elas também relatam um aumento na confiança no próprio corpo como, por exemplo, maior facilidade em identificar a saciedade.

Entretanto, não ver o peso pode também representar falta de autonomia, como exposto por uma das pacientes: “eu sou uma adulta e eu me sentia como se fosse uma criança” (tradução livre). Além disso, relataram insegurança e falta de suporte em como lidar com o peso pós-alta.

A partir desses pontos, algumas possibilidades foram sugeridas pelas participantes do estudo como, por exemplo, a escolha de ver ou não ver o peso ser combinada caso a caso em conjunto com a equipe, a fim de fortalecer a autonomia. Para tanto, ter confiança na equipe é fundamental.

Mesmo decidindo não ver o peso, informações sobre a alteração dele, de forma não-específica, podem ser interessantes para que o paciente não se “assuste” com o aumento do peso após a alta. Algumas estratégias são:

– O uso de gráficos com uma curva de tendência, que mostra aumento ou diminuição do peso, mas sem números;

– Contar ao paciente quando ele muda de faixa de classificação do IMC, depois de 3 medidas consecutivas que mostrem consistência na mudança de faixa;

– Perda ou aumento de peso significativo, o que vai ser definido a partir do combinado entre terapeuta e paciente;

– Falar ao paciente se ele conseguiu atingir a meta de ganho de peso;

– Realizar a pesagem sem a informação da quantidade de gramas.

A decisão entre mostrar ou não o peso depende do momento de tratamento no qual a paciente se encontra. As pacientes relataram que ocorre uma transição de mentalidade entre o “eu com TA” e o “eu saudável”. Para elas, o momento para ver o peso é após a transição para o “eu saudável”.

Apesar de estudos qualitativos serem muito importantes para trazer novas perspectivas e possibilidades, é necessário estudos quantitativos para demonstrar se há ou não benefício clínico nessas novas estratégias. Assim, a prática clínica não deve ser guiada exclusivamente pela perspectiva dos pacientes, e sim de forma a construírem juntos o melhor caminho para o tratamento.

Referência

Froreich, F.V., Ratcliffe, S.E. & Vartanian, L.R. Blind versus open weighing from an eating disorder patient perspective. J Eat Disord 8(39): 2020 https://doi.org/10.1186/s40337-020-00316-1

Imagem: https://www.waldeneatingdisorders.com/blog/binge-eating-disorder-recovery-and-weight-loss-do-they-go-hand-in-hand/